A Ligação é um suspense coreano intenso que desafia o tempo, costura traumas psicológicos e mergulha na dualidade humana com roteiro afiado e trilha imersiva.
Você já pensou no que faria diferente se pudesse falar com alguém do passado? A Ligação (2020) parte dessa premissa simples e a transforma em um labirinto psicológico angustiante e fascinante. Não é só uma história sobre viagens no tempo — é uma narrativa sobre consequências, traumas, abandono e os limites entre vítima e vilã. Neste texto, vou analisar esse suspense envolvente com olhos experientes, indo além da superfície e mergulhando fundo na construção emocional dos personagens, nos elementos culturais coreanos que guiam suas escolhas e na força de um roteiro que não deixa o espectador respirar.
Análise com spoilers
Seo-yeon: o peso do abandono e a âncora emocional
Seo-yeon, interpretada com sensibilidade por Park Shin-hye, é o retrato da apatia moldada por traumas familiares. Desde o início, seu comportamento é retraído, quase indiferente à mãe, mas logo entendemos que isso é resultado de anos de culpa e abandono emocional. Na cultura coreana, a figura materna é sagrada — um pilar social e afetivo. Quando essa base é quebrada, como no caso de Seo-yeon, a identidade do indivíduo se fragmenta. Sua relutância em visitar a mãe no hospital não é apenas resistência, mas uma expressão silenciosa de uma ferida ainda aberta.
Ao receber as ligações misteriosas de Young-sook, Seo-yeon vê ali a chance inconsciente de resgatar esse passado — de reescrever a história que a atormenta. É a ilusão de controle que tantos de nós já desejamos. Só que brincar com o tempo cobra um preço alto.
Oh Young-sook: o vazio da rejeição e a construção do monstro
Young-sook, vivida de forma arrebatadora por Jeon Jong-seo, é talvez um dos retratos mais viscerais da degradação humana que já vi em um thriller coreano. Ela começa como uma jovem assustada, reprimida por uma mãe fanática e violenta. A cultura coreana tradicional, que valoriza hierarquia e obediência absoluta, aqui se manifesta de forma distorcida e cruel. A figura materna de Young-sook não é apoio, é opressão — e o resultado é devastador.
Young-sook busca conexão com Seo-yeon como quem implora por afeto, mas a linha entre carinho e obsessão se rompe rapidamente. À medida que ela percebe que pode manipular o futuro, a solidão e a raiva transformam-se em uma sede de controle e destruição. Não é uma vilã rasa. É uma mulher quebrada, moldada pela negligência e pelo fanatismo, que encontra no caos um reflexo do próprio sofrimento.
Aspectos técnicos
Roteiro: tensão construída com precisão
O roteiro de A Ligação é uma aula de construção de tensão e desenvolvimento não linear. A história nunca se apressa, mas também não perde tempo. Cada detalhe plantado se conecta em algum ponto, e isso cria uma sensação de angústia crescente. A dualidade entre as protagonistas é explorada com riqueza, e os saltos temporais são sempre narrativamente justificados, o que é raro nesse tipo de abordagem.
O texto sabe o momento exato de cortar para o passado, o que revela ou esconde em cada ponto. E quando pensamos que tudo vai se resolver, ele nos lembra: consequências não somem, apenas mudam de forma.
Trilha sonora: tensão emocional em camadas
A trilha sonora é discreta, mas poderosa. Ela acompanha o estado emocional das protagonistas como uma sombra invisível. Nos momentos de descoberta, os tons mais suaves revelam esperança. Mas quando o terror psicológico toma conta, os sons metálicos e graves dominam, intensificando a sensação de desespero e impotência.
Há cenas em que o silêncio é mais ensurdecedor que qualquer trilha. Essa escolha é ousada e eficaz, forçando o espectador a encarar a dor, a violência e a transformação das personagens sem filtro. A música, ou a ausência dela, vira parte da narrativa emocional — e não apenas um pano de fundo.
A Ligação não é um filme fácil. É um thriller psicológico que exige atenção, entrega e estômago. Mas para quem ama doramas que exploram o lado sombrio da alma humana com coragem e complexidade, é uma experiência que vale cada segundo. As atuações de Park Shin-hye e Jeon Jong-seo são impactantes, mas é a construção emocional e cultural do roteiro que torna essa obra tão inesquecível.
É um filme sobre o que o tempo pode curar… e o que ele jamais apaga. Se você está pronta para uma história intensa, cheia de reviravoltas, sensações conflitantes e uma estética impecável, não pense duas vezes. A Ligação é para ser vista, sentida e discutida.
Minha Nota: 10/10 muito bem arramado do começo ao fim, genial!!
Até o próximo post!!
Marcela Fábio
Colunista, Escritora e Dorameira/Army
Imagem: Divulgação