Com atuações potentes e narrativa sensível, o filme chinês Dias Melhores mergulha em traumas, relações humanas e a busca por redenção em meio à violência escolar
Se você é daqueles que procura mais do que entretenimento e espera que um filme realmente te toque, Dias Melhores (Better Days) é o tipo de obra que precisa entrar na sua lista agora. Neste drama chinês dirigido por Derek Tsang, somos conduzidos por uma história que desnuda a dor crua do bullying escolar, o peso das expectativas sociais e a busca desesperada por uma saída em um sistema que fecha os olhos para quem mais precisa. Mas não se engane: o que poderia ser apenas mais um retrato da juventude oprimida, se transforma em algo grandioso, graças a uma direção sensível, um roteiro inteligente e atuações arrebatadoras.
Análise com spoilers
A protagonista, Chen Nian, interpretada por Zhou Dongyu, é a personificação de uma juventude soterrada pelo medo e pela pressão. Sua trajetória é moldada por um ambiente escolar opressor, onde o bullying é extremo e banalizado. Psicologicamente, ela representa a internalização da dor coletiva: não há espaço para fraquezas, não há saída visível. A rigidez de seu comportamento, sua constante retração e a tentativa de invisibilidade são marcas claras de um transtorno de ansiedade induzido por trauma, somado a uma depressão silenciosa. É nesse ponto que a narrativa encontra eco com muitos jovens asiáticos, sobretudo em contextos como o coreano, onde o sucesso acadêmico é visto como obrigação, e não escolha.
Xiao Bei, vivido por Jackson Yee, surge como um contraste poderoso. Ele representa a juventude marginalizada, ignorada pelo sistema e empurrada para a violência como única forma de sobrevivência. No entanto, por trás da aparência bruta, há um jovem sensível, com traços de transtorno de apego desorganizado — resultado de uma infância marcada pelo abandono e pela falta de afeto seguro. Ao encontrar Chen Nian, ele é confrontado com a possibilidade de cuidado, e isso o transforma. Sua mudança de comportamento, suas escolhas em prol dela, não nascem do heroísmo clássico, mas da necessidade de, finalmente, pertencer a algo ou alguém.
A relação entre eles é simbiótica, quase sufocante em certos momentos, mas profundamente honesta. No silêncio dos dois, há mais verdade do que em muitos diálogos de doramas inteiros. E o desfecho, com sacrifícios e destinos trágicos, expõe a dureza do sistema legal, da sociedade e do preço que se paga por ser jovem e vulnerável em uma cultura que preza mais pela ordem do que pela empatia.
Aspectos técnicos
A trilha sonora é uma das joias do filme. Ela não está ali apenas para preencher o espaço: ela traduz sensações. Em cenas de opressão, o som é cortante, quase desconfortável, criando tensão genuína. Já nos momentos de conexão entre Chen Nian e Xiao Bei, a música ganha suavidade e melancolia, como se embalasse o espectador na dor silenciosa que une os dois. É impossível ouvir e não se sentir invadido por aquela angústia agridoce.
O roteiro é direto, cru, sem floreios desnecessários. Cada linha de diálogo tem peso, cada silêncio é proposital. A escolha por uma narrativa que alterna tensão com introspecção é o que mantém o espectador preso do início ao fim. E o uso de flashbacks, sutil e bem posicionado, ajuda a construir empatia e compreensão sem tornar a experiência cansativa.
A direção de fotografia também merece destaque. O uso de sombras, planos fechados e cenários claustrofóbicos reforça a sensação de prisão emocional dos protagonistas. Não é à toa que tantas cenas permanecem na mente após os créditos subirem.
Dias Melhores não é um filme fácil. Ele incomoda, aperta o peito, e talvez por isso mesmo seja tão necessário. Para quem acompanha doramas e dramas asiáticos, essa obra representa um ponto fora da curva — um convite para olhar além do romance idealizado e se debruçar sobre a realidade crua da juventude asiática. E não pense que é um filme apenas sobre bullying: é sobre sobrevivência, sobre laços forjados na dor e sobre o que significa amar quando não há espaço nem para respirar.
Se você busca histórias que te desafiem, que te deixem com o coração apertado por dias e te façam refletir sobre o mundo ao seu redor, Dias Melhores é exatamente o que precisa ver. É cinema asiático em sua forma mais potente: emocional, poético e brutalmente verdadeiro.
Minha Nota: 10/10 Já falei tudo aí me resta um “apenas assistam!!” o Jackson Yee arrebenta como sempre.
Até o próximo post!!
Marcela Fábio
Colunista, Escritora e Dorameira/Army
Imagem: Divulgação