Como o gênero tem influenciado comebacks recentes
A cada temporada de comebacks, o K-pop reafirma sua capacidade camaleônica de se reinventar, e nas entrelinhas dessas mutações sonoras, o R&B vem assumindo um papel cada vez mais central. Seja em baladas melancólicas, faixas mid-tempo sensuais ou produções minimalistas que priorizam atmosfera sobre espetáculo, o gênero se infiltra com elegância e propósito. O que antes era um tempero discreto em grupos vocais dos anos 2000, agora retorna como ingrediente principal, influenciando estética, performance e narrativa emocional.
1) Letra e Significado
O R&B sempre foi um canal de introspecção, e no K-pop atual, isso se traduz em composições que priorizam a vulnerabilidade. Letras como as de “Die 4 You” do grupo VANNER ou “Sour & Sweet” de BamBam exploram amor, perda, identidade e amadurecimento sob uma ótica menos metafórica e mais emocionalmente crua. Um exemplo sublime desse enfoque é o álbum Layover, de V (BTS), que mergulha no terreno do amor delicado, da solidão silenciosa e da contemplação emocional com uma sinceridade quase desnuda. A entrega vocal de V, suave e profundamente afetiva, traduz sentimentos que ecoam com intensidade nos silêncios e entrelinhas.
2) Produção Musical e Sonoridade
Sonoramente, a nova leva de R&B no K-pop adota uma estética mais limpa e espacial. Bases rítmicas suaves, uso inteligente de sintetizadores atmosféricos, linhas de baixo encorpadas e vocais sussurrados criam um ambiente quase etéreo. Grupos como EXO, em seu comeback com “Cream Soda”, ou solistas como Taemin em “Guilty”, resgatam a essência sensual e cadenciada do R&B, dialogando com influências do neo soul e até do trap soul ocidental. Neste cenário, Layover se destaca por sua coesão sonora impecável: com direção musical assinada por Min Hee Jin, o álbum incorpora o jazz, o lo-fi e o soul em camadas suaves que envolvem o ouvinte como um cobertor emocional. Cada faixa é construída com parcimônia, permitindo que o silêncio respire e que cada nota fale com clareza.
3) Videoclipe e Estética Visual
Visualmente, o R&B tem moldado comebacks com atmosferas noturnas, cores sóbrias e movimentos de câmera que acentuam o íntimo em vez do grandioso. A estética tende ao cinematográfico, muitas vezes remetendo a filmes de arte ou ensaios fotográficos. Um dos casos mais emblemáticos é novamente Layover, que apresenta videoclipes contínuos com estética vintage, filmagens em 16mm, e uma direção de arte que conversa com o cotidiano, a contemplação e a beleza dos gestos simples. A sensualidade é abordada com sutileza, em contraste com visuais mais chamativos de outras tendências. Grupos como BTOB e artistas como DEAN ou Baekhyun constroem universos visuais em que o toque, o olhar e o silêncio falam mais alto que o espetáculo.
4) Recepção e Impacto
A resposta do público a essa onda tem sido notoriamente positiva, especialmente entre fãs que valorizam maturidade artística. Muitos a veem como um “retorno às raízes” da música coreana contemporânea, lembrando os tempos áureos de artistas como Wheesung e Rain. O sucesso comercial e crítico de Layover, que figurou no topo de rankings globais, é um reflexo claro dessa demanda por obras mais contemplativas e sofisticadas. Plataformas digitais mostram que faixas R&B lideram playlists noturnas e de mood, reafirmando a força desse nicho no mainstream atual.
A nova onda do R&B no K-pop é mais do que uma tendência: é um respiro. Em um cenário marcado por lançamentos incessantes e visuais maximalistas, essa vertente nos convida a desacelerar, escutar de verdade, sentir sem pressa. Para artistas, representa uma chance de mostrar maturidade. Para fãs, é um convite à escuta emocional. E para a indústria, uma lembrança de que menos pode, sim, ser mais. Layover, com sua delicadeza quase artesanal, é o símbolo perfeito dessa era que prefere o sussurro ao grito — e encontra, justamente aí, sua maior força.
Até o próximo post!!
Marcela Fábio
CEO e Editora Chefe
Imagem: Doramazine
