Muito além da tradição, o Qingming é um tributo silencioso à memória, um elo entre gerações que atravessa séculos na cultura chinesa.
E se um dia do ano fosse inteiramente dedicado a lembrar de quem você ama, mesmo que já tenha partido? Na China, esse dia existe. E ele é feito de flores, orações e silêncio. Vem descobrir a beleza sensível do Festival Qingming.
No começo de abril, quando a primavera começa a colorir os campos da China, milhares de famílias se reúnem para uma tradição que une o sagrado e o cotidiano: o Qingming Jie, ou Festival Qingming, conhecido como o “Dia da Varredura dos Túmulos”.
Não há espetáculo, nem comemoração ruidosa. Qingming é um ritual de cuidado, feito com passos lentos e gestos delicados. Famílias inteiras viajam até os cemitérios onde estão enterrados seus entes queridos. Ali, limpam as lápides, arrancam ervas daninhas, renovam os vasos com flores frescas e, em silêncio, agradecem. É uma forma de mostrar que ninguém foi esquecido.
Ao lado das lápides, incensos são acesos, alimentos são oferecidos — bolos de arroz, frutas, pratos favoritos — e, muitas vezes, papéis representando dinheiro são queimados. Tudo isso para garantir conforto aos ancestrais no mundo espiritual. A chama que sobe em espiral não leva apenas o papel: leva também saudade, respeito, desejo de conexão.
Para além do aspecto espiritual, Qingming também é um momento de reencontro. Parentes distantes se veem, crianças escutam histórias dos avós sobre bisavôs que nunca conheceram. Há piqueniques nos campos floridos após as visitas, pipas coloridas no céu, caminhadas entre árvores floridas. É a vida continuando, lado a lado com a memória.
A origem do festival remonta a mais de dois mil anos e carrega raízes filosóficas do confucionismo e do taoismo. Mas, mesmo nas grandes cidades, entre prédios espelhados e rotinas corridas, o Qingming resiste. A lembrança dos ancestrais ainda tem lugar nas agendas modernas.
E há algo profundamente universal nessa tradição: a necessidade de lembrar, de agradecer, de manter viva a história que nos trouxe até aqui. Qingming é, no fundo, um lembrete de que o passado não se foi — ele mora em nós.
O Festival Qingming não é apenas uma homenagem aos mortos — é um ritual de cuidado com os vivos. Um convite pra olhar pra trás com ternura, pra valorizar as raízes e entender que memória também é afeto. E que a saudade, quando acolhida, vira flor no caminho.
Até o próximo post!!
Marcela Fábio
Colunista, Escritora e Dorameira/Army
Imagem: Divulgação