Entre afeto, projeções e choque cultural, a intimidade no K-pop revela mais sobre quem observa do que sobre quem está no palco.
Em algum momento, todo fã de K-pop já viu — ou participou — de uma discussão sobre a sexualidade de um idol. Um abraço mais longo. Um olhar cúmplice. Mãos dadas sem constrangimento. Para muitos, isso basta para levantar a pergunta: será que ele é gay? Mas talvez a questão real não seja sobre orientação sexual — e sim sobre como diferentes culturas entendem afeto, intimidade e masculinidade.
No Ocidente, aprendemos cedo a separar tudo em caixas bem definidas. Amizade é uma coisa. Romance é outra. Sexualidade, então, precisa ser declarada, nomeada, assumida. Gestos físicos entre homens costumam carregar um peso simbólico imediato. Se há carinho demais, algo “foge da norma”.
Na Coreia do Sul, essa lógica funciona de outro jeito.
Existe um conceito cultural chamado jeong: um afeto profundo construído pela convivência, pelo cuidado diário, pela intimidade que nasce sem precisar de rótulos. É um sentimento que pode parecer romântico aos olhos ocidentais, mas que não exige definição nem confissão. Ele simplesmente existe.
Idols vivem juntos por anos. Dormem no mesmo espaço, treinam até a exaustão, compartilham pressões que o público raramente imagina. O resultado natural disso é proximidade emocional e física. Abraços, carícias, brincadeiras corporais. Para eles, isso é vínculo. Para muitos fãs internacionais, isso vira interpretação.
Mas há uma camada ainda mais sensível nessa leitura.
Para fãs LGBTQ+, especialmente aqueles que cresceram sem referências positivas de amor e afeto entre pessoas do mesmo gênero, o K-pop se torna um território simbólico. Ali existem homens que choram, cuidam uns dos outros, performam masculinidades suaves, estéticas fluidas e emoções abertas. Não é apenas música — é possibilidade.
Ver esses afetos e nomeá-los como “gay” nem sempre é fetichização. Muitas vezes é identificação. É desejo de pertencimento. É vontade de existir num mundo onde carinho entre iguais não seja punido nem ridicularizado.
O problema surge quando essa projeção ultrapassa o limite do respeito. Quando a sexualidade de idols vira aposta, cobrança ou narrativa imposta. Quando esquecemos que pessoas reais não são personagens criados para suprir nossas lacunas emocionais.
O K-pop desafia padrões porque mostra que masculinidade não precisa ser dura, distante ou silenciosa. E talvez seja justamente isso que cause tanto desconforto — e tanta fascinação. Não porque idols “parecem gays”, mas porque eles desmontam a ideia de que afeto tem orientação sexual fixa.
No fim, a pergunta não deveria ser o que eles são, mas por que precisamos tanto saber.
Talvez o K-pop não esteja confundindo ninguém. Talvez esteja apenas lembrando que o afeto pode ser livre — e que nossas lentes culturais dizem mais sobre nós do que sobre quem observamos.
por Kyara Y.
Colunista digital do Doramazine
Imagem: Doramazine
