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Revelações: fé, delírio e o peso da culpa

Resenha de Filme - Revelações

Quando o divino se confunde com o desespero humano

Há filmes que não se contentam em entreter — eles querem inquietar. Revelações (계시록), novo trabalho de Yeon Sang-ho em parceria com Choi Gyu-seok, é um desses. O diretor de Train to Busan e Hellbound volta os olhos, agora, não para o inferno externo, mas para o que carregamos dentro. E o resultado é um thriller psicológico sufocante, onde o sagrado e o profano se misturam até se tornarem indistinguíveis.

Desde os primeiros minutos, senti que não estava diante de uma narrativa comum sobre crime e redenção. O filme pulsa com um tipo de tensão que nasce da fé — aquela fé que, quando distorcida, se torna faca. Yeon Sang-ho constrói uma atmosfera de desconforto contínuo, onde cada silêncio pesa mais que o som de uma confissão.

Sinopse (com spoilers)

O protagonista, Sung Min-chan (Ryu Jun-yeol), é um pastor que vive às sombras do fracasso. Sua igreja está à beira da falência moral e espiritual; a esposa o trai; e o Deus em quem acreditava parece distante. Quando um ex-presidiário chamado Yang-rae (Shin Min-jae) passa a frequentar sua congregação, algo nele desperta — talvez medo, talvez um desejo distorcido de justiça.

Paralelamente, uma detetive, Lee Yeon-hee (Shin Hyun-been), investiga o desaparecimento de uma jovem. Ela carrega traumas profundos: sua irmã foi uma das vítimas de Yang-rae anos antes. O destino entrelaça os três numa espiral de obsessão, paranoia e delírio.

Min-chan acredita receber “revelações” divinas que o orientam a punir o pecador. Yeon-hee, tomada pela culpa, busca redenção em uma investigação que a consome. O confronto entre ambos culmina numa sequência intensa — quase hipnótica — em plano-sequência, onde fé e insanidade colidem de forma brutal. No fim, Min-chan é preso, mas suas visões persistem: rostos divinos aparecem nas paredes da cela, sugerindo que, para ele, o julgamento ainda não acabou.

Os personagens e seus abismos

Min-chan é o retrato da fé corroída pela vaidade. Ryu Jun-yeol entrega uma atuação dolorosa, repleta de silêncios quebrados por olhares que oscilam entre devoção e desespero. Há algo de trágico em sua trajetória: ele busca Deus, mas encontra apenas o espelho. Seu fanatismo é o resultado de uma carência espiritual, e o filme o trata sem caricatura — ele é, ao mesmo tempo, vítima e algoz.

Lee Yeon-hee, interpretada com notável sensibilidade por Shin Hyun-been, é o outro lado da moeda: a mulher racional que se vê tragada por emoções que não controla. A detetive encarna o dilema entre justiça e vingança. Seu olhar cansado, muitas vezes perdido, revela mais do que suas palavras. É uma personagem que sangra em silêncio — e esse silêncio diz tudo.

Yang-rae, por sua vez, é o fantasma do mal humano: não o mal sobrenatural, mas o que nasce de traumas e omissões. Ele carrega o passado como uma sentença e, de certa forma, é o espelho dos dois protagonistas. Todos estão presos em um ciclo de culpa e punição, cada um acreditando ser mais justo que o outro.

Aspectos técnicos

Yeon Sang-ho surpreende ao adotar um realismo sujo e contido. Longe da grandiosidade de Train to Busan, ele opta aqui por uma mise-en-scène íntima, quase claustrofóbica. As ruas vazias, os interiores escuros e as igrejas sombrias reforçam a sensação de enclausuramento espiritual. Há uma fotografia quase bíblica — não no brilho, mas na aridez.

A trilha sonora é discreta, quase ausente, e isso é o que a torna poderosa. Os momentos de silêncio funcionam como orações quebradas; os acordes dissonantes surgem apenas quando a mente dos personagens se parte. É como se a música só existisse dentro da cabeça deles — e também na nossa.

O roteiro, embora denso e multifacetado, às vezes perde o ritmo. Há transições abruptas e pontas que parecem dispersas, mas o todo se sustenta pela força simbólica das imagens. Yeon e Choi sabem que o tema central não é o crime em si, mas o abismo entre fé e loucura.

Minha leitura pessoal

Assisti a Revelações como quem mergulha num espelho rachado. É um filme que reflete nossas contradições mais íntimas — a vontade de acreditar, o medo de estar errado, a necessidade de encontrar sentido no caos.

O que mais me marcou foi perceber como Yeon Sang-ho trata a fé sem cinismo. Ele não a ridiculariza; a observa. Mostra que crer é humano, mas perigoso. Min-chan não é um vilão porque acredita — ele se perde porque precisa desesperadamente que o mundo confirme sua crença. Essa é a tragédia maior.

Há, claro, momentos em que o filme se arrasta, talvez propositalmente. Yeon parece querer que sintamos o peso da dúvida, que compartilhemos da exaustão dos personagens. E quando o plano final surge — o rosto do “Cristo” na parede da cela —, percebi que não havia resposta, apenas eco.

Nota e justificativa

Nota: 3,5 / 5

Dou essa nota com respeito e admiração. Revelações não é perfeito — mas talvez não devesse ser. É denso, irregular e corajoso. Um thriller que prefere perturbar em vez de confortar. Yeon Sang-ho mostra maturidade ao lidar com o psicológico e o espiritual como duas faces de um mesmo inferno.

O filme exige entrega. Não é para quem busca respostas, mas para quem suporta o desconforto de não tê-las.

Recomendo Revelações a quem gosta de cinema que provoca reflexão e silêncio. É o tipo de obra que se instala e não vai embora — que faz pensar em quantas vezes confundimos fé com medo, e justiça com redenção.

Se assistir, conte-me: em quem você acreditou durante o filme — em Deus, em Min-chan ou em si mesmo?

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Até o próximo post!!
Marcela Fábio
CEO e Editora Chefe
Imagem: Divulgação

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